A 'Uberização' da Saúde Mental: Dados do Burnout dos Psicólogos


O burnout do psicólogo não começa no esgotamento da sessão.

Ele começa com a ansiedade de uma plataforma que te trata como um “recurso” a ser alocado, e não como um profissional de saúde.

Em nossas conversas para construir o MOA, ouvimos um termo que define perfeitamente este momento: “uberização” da saúde mental.

Isso não é apenas um “sentimento” ou uma “impressão”. É um fenômeno documentado e estudado.

Em um capítulo recente do livro “Política e sofrimento psíquico: uma clínica para o nosso tempo” (CRV, 2024), os pesquisadores (incluindo alguns dos profissionais que entrevistamos, como Yuri Lima e Aline Melo) definem este momento como o risco da “plataformização” do trabalho clínico.

O que são esses riscos? São os “dados” que levam ao seu burnout.

O Dado nº 1: O “Chefe” é um Algoritmo

O artigo aponta a principal armadilha: as plataformas se apresentam como “intermediárias”, mas agem como chefes. Elas controlam os dois elementos centrais: a precificação e a distribuição do serviço.

Elas não “facilitam” seu trabalho; elas impõem uma “subordinação algorítmica”.

O algoritmo, que não é transparente, decide quem aparece primeiro. Em muitas plataformas, isso é ditado por quem paga mais ou quem se “engaja” mais no sistema. A competição, que antes era local, torna-se global e feroz.

O Dado nº 2: O Paradoxo do “Valor Social”

O “sucateamento” é um modelo de negócio disfarçado de virtude.

O capítulo em questão destaca o “paradoxo” dessas plataformas:

“…de um lado, uma aparente preocupação com a acessibilidade dos serviços psicológicos… por outro, o aprofundamento de estratégias de exploração do trabalho…”

Elas usam termos como “acessibilidade” para justificar valores de sessão “muito abaixo da referência das tabelas de honorários do CFP”.

O resultado é o que um dos nossos terapeutas entrevistados descreveu: o terapeuta precisa atender 10 pacientes por dia para ter um ganho mínimo e, com isso, “não tem tempo de estudar os casos”.

O artigo de Byung-Chul Han, citado na pesquisa, define isso como “autoexploração”. A plataforma vende a “liberdade” de ser empreendedor, mas na prática, você se submete a uma “livre coerção de maximizar o desempenho” que leva ao esgotamento.

Este é o dado mais perigoso para a ética da profissão.

Os autores observam que, para “facilitar” a escolha, as plataformas transformam o terapeuta em uma mercadoria. O perfil vira um “catálogo” onde o paciente compara profissionais como produtos.

E qual é a métrica de comparação? “Notas ou estrelas” e “depoimentos”.

Isso é a “uberização” na sua forma mais pura. Ela ignora completamente a complexidade da transferência e da ética clínica — como o Yuri nos disse, “uma review ruim pode significar que a terapia foi boa”.

O paciente é treinado a buscar o “produto perfeito”, o “match” ideal, em vez de se engajar no processo terapêutico real.

O Oposto da “Uberização” é a Valorização

A pesquisa é clara: a pandemia (com o aumento de 447% de cadastros no E-psi) foi apenas o catalisador. A “plataformização” já era a tendência.

Nós lemos esses dados e decidimos construir o antídoto.

Se a “uberização” se baseia em controle algorítmico, preços precarizados e marketing antiético, a solução deve se basear em autonomia, valorização e ética.

No MOA, estamos construindo um ecossistema onde:

  1. Não há subordinação algorítmica: Você define seu preço, seus horários e sua política.
  2. Não há “estrelas”: Abolimos as “reviews” públicas (MOA-66). Trocamos por um “Vídeo de Apresentação”, focado na conexão humana, e um “Feedback Privado” (MOA-69), focado na segurança.
  3. Não há “paradoxo social”: Não usamos a “acessibilidade” como desculpa para explorar o terapeuta. Cuidamos de quem cuida.

Estamos aqui para devolver o controle da clínica ao clínico.


Referência

LIMA, Yuri Fernandes de Andrade; MELO, Lorena de Melo Barbosa; MELO, Aline Honorato Bandeira. Tendências da clínica contemporânea: os riscos da uberização e da plataformização do trabalho. In: SAMPAIO, Marisa Amorim, et al. (orgs.). Política e sofrimento psíquico: uma clínica para o nosso tempo. Curitiba: CRV, 2024. p. 259-272.